segunda-feira, 25 de julho de 2011

O português dos nossos púlpitos

 
Por que eles falam tão errado?
Israel Belo de Azevedo

O uso de expressões incorretas nos púlpitos brasileiros como “pra mim fazer” e “a gente fomos criados” está se tornando tão comum quanto o das corretas e usuais “aleluia” e “glória a Deus”. E se, espiritualmente, isso não chega a prejudicar a comunicação da mensagem de Deus, esses pregadores, no mínimo, ferem os ouvidos dos mais atentos e até de quem é mais moderno e maleável em relação à lingüística. Expressões idiomáticas como “o cara tá ferrado” ou “aquela família pirou de vez” são “moleza” diante dos absurdos.
É óbvio que o mau uso da língua em qualquer espécie de comunicação, e aí se incluem os pregadores do Evangelho, provoca graves prejuízos aos ouvintes. Erros de concordância, uso de terminologia inadequada, ambigüidade ao falar, pobreza de estilo e vulgaridade vocabular estão entre os principais problemas lingüísticos de muitos púlpitos. Outro reflexo do despreparo dos pastores é em relação aos erros de interpretação da mensagem.
A professora da Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Marisa Magnus Smith, explica que o padrão culto do idioma, além de ser uma espécie de marca de identidade, constitui recurso imprescindível para uma boa argumentação. “Em situações em que a norma culta se impõe, transgressões podem desqualificar o conteúdo exposto e até mesmo desacreditar o autor”, escreve ela no artigo intitulado “Auto-aprimorando nosso conhecimento em língua materna”.


Para o gramático Evanildo Bechara, a norma culta tem sido atingida pela diminuição das fontes de cultura da sociedade

 
Foi o que aconteceu durante um casamento, quando, ao cometer inúmeros erros durante a cerimônia religiosa, um pastor constrangeu tanto convidados quanto noivos. “No início, pensei que ele tivesse a língua presa. Mas quando disse ‘a gente fomos criados’, percebi que era mesmo um erro gritante e inaceitável. Durante a festa, o pai da noiva tentou se justificar, alegando que apesar de o pastor ser muito simples, era um homem muito bom. Reconheço que nossa língua é difícil, mas são cada vez mais assustadores os erros de português cometidos nos púlpitos”, lamentou uma corretora de seguros que pediu para não ser identificada.
A professora de Língua Portuguesa do Seminário Palavra da Vida, Denise Terezinha Antunes Santiago, explica que o problema é de formação educacional. Segundo ela, o ensino fundamental (1ª à 8ª séries) é deficiente. “Desde cedo, eles deveriam aprender o português correto, mas como o nível de quem ensina também não é o ideal, as crianças aprendem e se habituam a falar errado. A formação ruim prejudica a interpretação do texto bíblico e a transmissão correta da mensagem fica deformada”, ressalta ela.
Outro agravante, para Denise, é que muitos pastores repetem, no mundo físico, um fenômeno resultante do mundo virtual, através do uso do computador. Em outras palavras, a linguagem é quase cifrada, deixando o conteúdo da frase incompleto. “Como muitos dos jovens de hoje, alguns pastores e seminaristas também não conseguem completar a própria argumentação”, observa. Ou seja, a cada dia que passa, ambos deixam mais incompleto o pensamento. E, por conseqüência, claro, a mensagem.




Geraldo Nunes, reitor da Faculdade Teológica Nazarena, percebe que há um total desprezo pela língua portuguesa nos púlpitos


O reitor da Faculdade Teológica Nazarena, Geraldo Nunes, afirma que há um total desprezo pela língua portuguesa. “Acredito que o pastor pode usar o púlpito para desafiar as novas gerações a resgatar o nosso idioma”, afirma ele, que entende que a adoção de expressões como “a liderança chutou o balde naquele evento” ou “o cara tá ferrado”, embora inadequada, até pode mostrar identificação com certos auditórios, como os formados por jovens e adolescentes. “Mas é preciso muito cuidado ao usá-las para não menosprezar o conteúdo da mensagem apresentada”, aconselha.
Foi a constatação do mau uso da língua portuguesa que fez com que o pastor Cesar Augusto Arruda abordasse o assunto no livro Socorro! Tenho que Preparar um Sermão!, da Editora AD Santos. Segundo ele, o desconhecimento da língua portuguesa e o conseqüente erro de interpretação textual por falta de conhecimento das palavras lidas provocam distorções teológicas.
Arruda lembra que um dos sermões que o surpreenderam negativamente foi o de um irmão pregando sobre a assunção (subida, elevação) de Jesus Cristo aos céus. No entanto, infelizmente, o pregador estava querendo dizer que “naquele dia, Jesus era o assunto do céu. Não havia outra conversa no céu, porque Jesus era o assunto do dia!” Outro exemplo que menciona como verdadeiro atentado à Bíblia e ao idioma, é a seguinte declaração: “Jesus não veio perdoar os pecados. Veio só dar uma olhada neles, porque está escrito que Jesus veio espiar o nosso pecado...” Se essas situações não fossem lamentáveis, até seriam engraçadas.
“Pastores não devem fugir do ensino e do conhecimento da língua natal porque, para conseguir entender a Palavra de Deus, é preciso compreender primeiro a nossa língua. Evitaríamos disparidades”, escreveu Arruda em seu livro, que reúne também diversas pérolas, como o uso de pleonasmo nos púlpitos brasileiros. “Subir para cima e descer para baixo” são expressões triviais, de acordo com ele. Cacófatos também contribuem para o demérito do conteúdo, pois frases do tipo “eu vi ela passando por ali”, além de imperdoáveis, causam ruídos na comunicação.
Todo esse pacote de falhas na emissão da mensagem tem progressivamente frustrado ouvintes que poderiam estar sendo motivados a aprender mais de Deus. Ao contrário, em vez de se sentirem atraídos para a boa qualidade da forma e do conteúdo do que se quer comunicar, visitantes e membros mais atentos acabam se sentindo incomodados com o pouco valor atribuído a uma missão tão nobre: falar de Cristo. “Já deixei de freqüentar certas igrejas, até na zona sul, porque os pastores não sabiam falar, não se esmeravam no cuidado com a língua portuguesa e até usavam expressões chulas no culto, provavelmente em busca de uma imagem mais popular”, comenta Mauro Chaves, interessado no Evangelho, mas avesso às irresponsabilidades lingüísticas percebidas nos púlpitos. E ele não é o único. “Se a principal atividade do pastor é pregar, ele precisa estar altamente preparado para tanto. Um bom sermão precisa de, no mínimo, seis horas de estudo. Mas muitos pastores chegam aos púlpitos para bater papo e, sem perceber, acabam permitindo a contaminação de muitos erros de português e de expressão na pregação”, reclama Izadora Buarque, formada em Comunicação Social e membro de uma igreja batista.
O gramático Evanildo Bechara avalia que a norma culta tem sido atingida pela diminuição das fontes de cultura da sociedade. “Hoje, praticamente, o último baluarte cultural é a escola, degustada do seu valor, vilipendiada pelos poderes práticos e desprestigiada pela própria sociedade”, lamenta. Segundo ele, a conseqüência é o aumento da distância entre a fala espontânea e o texto redigido dentro da tradição culta. “Essa produção ‘natural’ que nasce do conhecimento que cada um de nós tem de sua língua atende às primeiras necessidades que, quase sempre, são suficientes quando falante ou ouvinte está presente, porque aí elementos extralingüísticos participam e garantem a comunicação. A função da escola é transformar esse conhecimento intuitivo da língua numa competência reflexiva”, comenta, discorrendo sobre a defesa que algumas pessoas fazem de que o importante não é falar certo, mas sim, comunicar. 




FERRAMENTAS
 
Para evitar constrangimentos e garantir que os pregadores manejem com maestria a língua portuguesa, o escritor Augusto Gotardelo, já falecido, dedicou um livro aos pastores – Português para Pregadores Evangélicos, de Edições Vida Nova. “Pregando, evangelizando por carta, redigindo artigos, boletins e convites, sejam precisos e dêem ao recado de Deus a beleza que ele deve ter”, adverte. A publicação reúne desde dúvidas sobre gramática até textos meditativos, além de trazer exercícios.
O pastor batista Antônio Carlos Dias concorda que a língua materna deve merecer atenção especial do pregador. “É lamentável, tanto para o pregador quanto para a mensagem, cometer graves falhas de português. Não é preciso ser um erudito, mas é imprescindível evitar erros primários. Quanto mais cultura e preparo o pastor tiver, mais fácil e mais eficiente será o seu ministério”, garante. O pastor deve conhecer bem o homem e a cultura de seu tempo – suas idéias, seus costumes, seus problemas, sua personalidade e sua psicologia. “O pregador não pode contentar-se em estudar apenas sua Bíblia. Não deve ser um ‘homem de um livro só’. Tem que ser um leitor insaciável de informações. Ler jornais, revistas, livros. Quem afirma que o pregador deve estudar só a Bíblia revela ignorância ou preguiça mental”, complementa.
Denise Terezinha concorda que o caminho para corrigir a deficiência educacional é a leitura. “Ao ler bastante, tendo acesso a bons livros, ele se familiariza com a forma de linguagem utilizada e automaticamente passa a usar, de forma mais adequada, a língua portuguesa, mesmo sem saber a gramática”, ressalta.
O professor da Universidade Metodista de São Paulo Leonildo Silveira Campos disse que no protestantismo clássico, o pastor, por mais escolaridade que tenha, perdeu a capacidade de moldar a linguagem de sua comunidade. Segundo ele, quem faz a forma de pensar e de falar das comunidades protestantes são os meios de comunicação de massa. “Muitos desses meios estão nas mãos de seus concorrentes (os pastores pentecostais), que não estão interessados na fala correta e sim na linguagem que comunica bem sua mensagem às massas”, sinaliza Campos, também autor do livro Teatro, Templo e Mercado: Organização e Marketing de um Empreendimento Neopentecostal.
O professor avalia, ainda, que a perda do hábito de ler a Bíblia, tanto nos cultos ou fora deles, quanto as revistas de Escola Dominical – e até o hábito de cantar os louvores congregacionais através de transparências nas paredes e nos telões, em substituição aos hinos nos hinários – contribuem para o uso indevido da língua portuguesa. Ele chama a atenção para o fato de ser muito comum, na hora do louvor nas igrejas, o público ler as letras de cânticos com erros crassos de grafia e concordância.








CURIOSIDADES

Os tipos de língua falada se dividem em culta, coloquial, vulgar, regional e grupal.
Culta: falada por pessoas de instrução. Obedece à gramática da língua-padrão.
Exemplo: “Temos conhecimento de que alguns casos de delinqüência juvenil no mundo hodierno...”
Coloquial: espontânea, usada para satisfazer as necessidades vitais do falante sem muita preocupação com as formas lingüísticas. É a língua cotidiana, que comete pequenos – mas perdoáveis – deslizes gramaticais.
Exemplo: “Cadê o livro que te emprestei? Me devolve em seguida, tá?”
Vulgar: Própria de pessoas sem instrução. É natural, colorida, expressiva, livre de convenções sociais. Infringe totalmente as convenções gramaticais.
Exemplo: “Nóis ouvimo falá do programa da televisão”.
Regional: Está circunscrita a regiões geográficas, caracterizando-se pelo acento lingüístico, que é a soma das qualidades físicas do som (altura, timbre, intensidade).
Exemplo: “A la pucha, tchê! O índio está mais por fora do que cusco em procissão – o negócio é a tal de comunicação, seu guasca!”
Grupal: Pertence a grupos fechados, como médicos, advogados, jovens, etc...
Exemplo: “Aí, mano, o show de ontem tava irado!” 



A HISTÓRIA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
O português é uma língua derivada do latim.
Quando o Brasil foi descoberto pelos portugueses, havia mais de mil línguas no país, faladas por índios de diversas etnias, segundo o lingüista Aryon Cabral, do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília. Para estabelecer uma comunicação com os nativos, os portugueses aprenderam os dialetos e idiomas indígenas.
A partir do tupinambá, falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores, criou-se uma língua geral entre índios e não-índios. Essa língua foi a primeira influência exercida sobre o idioma dos portugueses no Brasil.
Outro contato que influenciou a língua portuguesa na América foi com os negros que desenvolveram um português crioulo.
A predominância do português começa a se dar a partir da segunda metade do século 18, com o aumento de imigrantes portugueses.
Em 17 de agosto de 1758, a língua portuguesa torna-se o idioma oficial do Brasil através do decreto do Marquês de Pombal, que também proíbe o uso da língua geral. No entanto, os falantes brasileiros já haviam incorporado diversas palavras de origem indígena e africana em seu vocabulário. Abacaxi, caatinga, caju, capim, capivara, Parati, são palavras que tiveram origem na língua indígena.
A influência indígena também acabou propiciando a criação de expressões idiomáticas, como “andar na pindaíba” e “estar de tocaia”.
As palavras “acarajé” e “vatapá”, por exemplo, são influências dos africanos.
As diversas variedades regionais da língua existentes no Brasil são resultado da miscigenação com os imigrantes europeus, como alemães e italianos.



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